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22 de junho de 2010

Entrevista: Paulo Maffia

Por E. Rodrigues & José Rivaldo Ribeiro

O editor dos gibis Disney no Brasil fala ao Planeta Gibi. Paulo Maffia está na Editora Abril desde 1995, intercalando uma passagem pela revista de cinema Sci-Fi News. Começou na redação de heróis, bem na época em que mais se vendeu gibis no Brasil, e testemunhou as mudanças por que passou o mercado desde então. 


A excelente fase por que passam os quadrinhos Disney no Brasil deve ser creditada, em grande parte, ao trabalho cuidadoso de Maffia na seleção de histórias, sem falar no resgate histórico que não para de promover, de Canini a Saidenberg, de Paul Murry a Tony Strobl. Os títulos mensais estão em grande forma, e os especiais não dão fôlego aos leitores e colecionadores. Num extremo, Disney Big, o gibi periódico Disney com maior quantidade de páginas já publicado no Brasil. No outro, gibis de R$ 1,50 — grande sucesso de vendas. No meio, especiais com qualidade gráfica poucas vezes vistas por aqui: Superpato, Dinastia Pato, Mickey Especial Paul Murry... E Clássicos da Literatura, a coleção de 20 volumes — que pode virar 40 — comemorativa dos 60 anos da revista Pato Donald, o mais antigo gibi em circulação do país, que faz aniversário no próximo dia 12.

Planeta Gibi: Como você foi parar na redação Disney?

Paulo Maffia: Taí uma coisa legal para contar e que poucos sabem, coisa do destino. Ainda garoto, visitei a Editora Abril numa excursão da escola. E lá estava o seu Victor Civita. Ele se sentava no chão, junto com as crianças. Eu disse ‘eu me lembro do senhor naquela historinha’ [“Tudo Começou com um Pato...”, Pato Donald #1500, 11/ago/80], e ele ‘esse Donald acaba com a minha paciência... ele acabou com a minha sala!’. E anos depois eu fui fazer a revista para ele... cinco anos depois da morte dele eu entrei para a Abril.


PG: A Disney, no Brasil, é primeiro associada a quadrinhos, depois a animação.

Maffia: Sim. Quando se fala em Disney, primeiro vem à cabeça o gibi do Pato Donald. Eu estava numa livraria megastore, no lançamento do [CD e DVD] Adventures in Samba. E no sistema de vídeo da loja havia artistas dando depoimentos. E todos eles, todos, falando ‘eu adoro Disney porque eu lia os gibis, meu pai comprava O Pato Donald’. Então é uma grande responsabilidade. Eu recebo cartas hoje do senhor que é dentista dizendo ‘eu li, passei para meus filhos e meus netos’. Você fazer isso [editar os gibis Disney] requer um exercício de humildade. Todo dia você tem que sentar lá e sentir o peso da cadeira e o peso do pessoal de trás, e dos leitores. Eu faço para aquele cara que tem dez reais para gastar com diversão, e que é muito esforço para ele gastar aquele dinheiro num gibi. Aquele é meu chefe.

PG: Os colecionadores pedem muito a volta da lombada quadrada em Tio Patinhas.

Maffia: Isso encareceria a revista. É como mandar para as bancas Clássicos da Literatura shrinkado [envelopado em plástico selado]. Parece uma medida simples, mas na verdade implica num preço de capa consideravelmente maior.

PG: Você fala isso e me lembrei das edições de férias com capas envernizadas [em nov/09].

Maffia: Foi uma gráfica que nos fez aquele agrado. É curioso como o pessoal na internet logo supõe uma intenção, quando muitas vezes não há. É como a falta de referência de republicação em Disney Big [ausência de códigos de reedição]. Chegaram a dizer que queríamos esconder que se tratava de reedições. Ora, esse tipo de informação interessa ao colecionador, que tem hoje um Inducks onde tirar suas dúvidas. É um dado irrelevante para o leitor comum, que busca uma boa seleção de histórias, e é isso que visamos fazer. Antigamente [antes da internet e do Inducks] era diferente, porque os códigos impressos nas histórias eram um controle para a própria editora.

PG: As edições de férias são um sucesso. Teremos um Peninha, um Urtigão Férias? Esses personagens parecem ter mais apelo por aqui do que o Pateta.

Maffia: De fato, os gibis de férias foram bensucedidos. Pato Donald Férias #1, por exemplo, vendeu quase toda sua tiragem. Peninha e Urtigão, na época do gibi de um real, eram os títulos que menos vendiam. Esses gibis têm um grande público infantil, e a diferença é que Pateta está na TV, nos desenhos animados. Peninha e Urtigão, não.


PG: Em Tio Patinhas de julho teremos a última HQ inédita no Brasil de Don Rosa. Não seria o momento de se lançar uma espécie de O Melhor da Disney com o autor?

Maffia: Antes que alguém comente, devo dizer que há uma prancha de Don Rosa que permanecerá inédita por enquanto, pois não está disponível para publicação [saiu primeiro na revista alemã Tempo, out/95]. Mas, quanto a uma coletânea completa, pode ser. No entanto, a publicação da Saga [do Tio Patinhas, em três volumes e formato americano] é muito recente. Vamos esperar bater uma saudade.


PG: Haveria impedimento por parte do autor? Sempre se volta à questão do cancelamento de Mestres Disney por problemas jurídicos com Don Rosa.

Maffia: Don Rosa não poderia impedir uma coletânea assim, porque a produção pertence à Disney. E Mestres Disney foi cancelado porque amargou as piores vendas, talvez, da história da editora. Nem Canini, que levou um ano para chegar às bancas, depois de inúmeros telefonemas para o autor, de idas e vindas até a confirmação de que ele faria uma capa e uma HQ especialmente para aquela edição, conseguiu segurar a onda. E, por sinal, nem na imprensa especializada o volume teve repercussão (e eu pensando que estava conseguindo o fato do ano, que era tirar Canini da aposentadoria...). Don Rosa é um grande autor, mas fez sua obra definitiva muito cedo. Algo que aconteceu com Orson Welles, com Citizen Kane. A Saga é espetacular, uma das melhores HQs que eu já li, mas Rosa virou meio refém dela. Todo mundo esperava que o próximo trabalho dele tivesse o mesmo nível e impacto, o que é impossível. E eu acho que ele também percebeu isso. Não existe um herdeiro do Barks completo. Daan Jippes... William van Horn... são gênios para histórias pequenas. E cada um é bom numa coisa. Marco Rota, para mim, é o melhor deles. Mas Barks era completo, um Pelé.


PG: E por falar nisso, por que não relançar O Melhor da Disney em formato semelhante ao especial do Superpato? Teria um preço mais acessível, para quem não conseguiu completar a coleção.

Maffia: Quem sabe daqui a uns dez anos? É como eu disse: deixa o pessoal sentir um pouco de saudade. Tem tanta coisa nova para lançar, enquanto isso.


PG: Tivemos no ano passado os especiais de DuckTales, Mickey e Superpato...

Maffia: Neste ano temos uma coisa chamada Clássicos da Literatura. Tive que suspender todos os especiais para não pesar no bolso dos leitores...

PG: E se a coleção tiver todos os quarenta números da edição espanhola, ultrapassará janeiro de 2011, quando Zé Carioca completa 50 anos. A partir do #21 você trocará o selo comemorativo para referenciar Zé Carioca?

Maffia: Ainda não temos nada definido sobre os outros vinte volumes. Sobre um selo 'Zé Carioca 50 Anos', não vai acontecer, até porque não há nenhuma HQ estrelada por Zé Carioca na coleção!

PG: Certo. Mas o que podemos esperar de especial nos 50 anos do gibi do Zé?

Maffia: Tem-se que tomar cuidado para não cair em repetição. Fazer outra edição especial, apenas por fazer, não acho válido. E mudamos isso com os Clássicos da Literatura. Uma comemoração diferente.

PG: Não dá para deixar de perguntar: e um especial com as HQs inéditas holandesas?

Maffia: Não, porque as HQs holandesas do Zé Carioca são muito ruins, além de não ter a alma do personagem. O público leitor certamente iria reclamar da mudança de estilo. Não dá para arriscar apenas para satisfazer uma curiosidade de alguns colecionadores.


PG: E produção de HQs inéditas do personagem?

Maffia: Infelizmente, é totalmente inviável, financeiramente falando.

PG: Houve certa polêmica com as capas recentes de Zé Carioca.

Maffia: A gente ouve muito os leitores e prestamos atenção nas críticas. Uma delas, que nem as capas de Zé Carioca eram inéditas. Pois decidimos investir em capas novas. Dei a ideia do Crepúsculo e do Avatar porque as histórias que abriam as edições tratavam de tema semelhante.


PG: Esse expediente é comum até em Topolino. Avatar é referenciado na capa [do #2828, de 9/fev/10] e a HQ em questão [do Indiana Pateta] não tem nada a ver com o filme...

Maffia: Pois é. Nem sempre é fácil criar gag para por numa capa. Achamos que seria divertido. Voltando aos especiais, pensava-se para este ano em um do Superpateta e outro do agente Donald Duplo, com duas minisséries inéditas no Brasil. As três origens do Superpateta, ao invés de sair no Zé Carioca, devem ficar para Disney Big, ou um especial.


PG: E o Morcego Vermelho?

Maffia: Sou o maior defensor da memória do [roteirista Ivan] Saidenberg [criador do Morcego Vermelho, junto com o desenhista Carlos Edgard Herrero]. Quando há oportunidade, volto a ele, de forma a manter sua obra viva. Há pouco fiz menção ao Saidenberg em texto do Clássicos da Literatura. E pode haver um especial do Morcego Vermelho, abrindo com um texto em homenagem a ele.


PG: Pensando de novo nos colecionadores, difícil imaginar que se, por exemplo, a Saga do Tio Patinhas fosse lançada em um ou dois volumes de luxo em capa dura, mesmo em banca, não venderia.

Maffia: Vamos esperar uns cinco anos, até o mercado se ajustar mais. Você imaginaria, há uns três anos, que se lançaria uma coleção como Clássicos da Literatura? Quantos acreditaram que O Melhor da Disney chegaria ao final?

PG: Poderiam ser lançados mais uns dois ou três volumes, a propósito, com material de remakes e afins.

Maffia: Olha, sentava eu e o Marcelo [Alencar] para fazer a triagem. Essa história entra? Fulano que fez o roteiro e desenhou, a partir de uma sugestão do Barks... E essa? O artista usou uma ou outra frase sugerida por Barks... Não, né? Porque aí começava a se perder a linha. Então houve uma decisão de se encerrar a coleção antes que a ideia original se desvirtuasse.

PG: Se o mundo não acabar, podemos sonhar com a obra completa de Gottfredson na comemoração dos 60 anos do gibi do Mickey, em 2012? [A coleção está saindo agora na Itália, em 38 volumes semanais com 160 páginas, capa dura, por 9,99 euros cada.]

Maffia: Será que Gottfredson tem esse apelo popular? Tenho dúvidas até da viabilidade econômica dele no mercado italiano, na Europa. Mestres Disney de Gottfredson foi o que menos vendeu.

PG: O fac-simile de O Pato Donald #1 foi escaneado do original?

Maffia: Não, porque o calor da lâmpada do scanner danificaria o original. Usamos os filmes feitos em 1984, para composição do fac-símile comemorativo dos 50 anos de criação do personagem. Para ter certeza de que eram fiéis, conferi cada detalhe, usando uma luva para manusear o original.

PG: Alguns reclamaram da Quinta Mosqueteira [capítulo brasileiro de Dinastia Pato, publicado antes apenas em Disney Especial #100, de 1987] no gibi do Zé Carioca [#2346, de abr/10, por causa da quantidade de páginas que a HQ ocupou].

Maffia: Pensei em pô-la no Tio Patinhas, mas não achei certo usar um espaço destinado para inéditas. Estou com uma fila de histórias inéditas muito boas para publicar.

PG: Veremos o mangá Kingdom Hearts publicado aqui?

Maffia: O material está traduzido e pronto para imprimir. Mas a detentora dos direitos do game não vai autorizar sua publicação enquanto o jogo não for comercializado legalmente no Brasil. Quando isso ocorrer, não haverá empecilhos para o lançamento do mangá Disney.


PG: Para finalizar, o que teremos nas revistas de linha dos próximos meses?

Maffia: Em Mickey, muitas HQs de Casty, muito boas. A Ilha de Quandomai sai agora, em agosto e setembro. Também em agosto começam a sair as HQs de Jerry Siegel em Tio Patinhas. Essas histórias sairão esporadicamente. No meio disso, teremos a saga com Galileu, que começou em Topolino #2824 [de 12/jan/10]. Em Pato Donald, todo mês teremos uma história inédita de William van Horn. E em Zé Carioca, histórias ultrarraras de Superpateta, só publicadas uma vez no Brasil, há 30, 35 anos.


Foto:
Edson Diogo/Planeta Gibi.

Ilustrações:
“Tudo Começou com um Pato...”, Pato Donald #1500, 11/ago/80, roteiro de Gérson Teixeira, desenhos de Carlos Edgard Herrero.
Pato Donald Férias #1, dez/08.
Uncle Scrooge. Tempo Magazin #1995-10, Alemanha, out/95, roteiro e desenho de Don Rosa.
Uncle Scrooge por Carl Barks, postado em http://sekvenskonst.blogspot.com/.
O Banqueiro, Zé Carioca #2120, jan/99, roteiro de Frank Jonker, desenhos de José Colomer Fonts, publicada originalmente em Donald Duck #1995-18, Holanda, 5/mai/95.
Capa de Zé Carioca #2347, mai/10. Ideia de Paulo Maffia, desenho de Aparecido Norberto, cores de Cris Alencar.
Capa de Zé Carioca #2349, jul/10. Ideia de Paulo Maffia, desenho de Aparecido Norberto.
Capa de Topolino #2828, Itália, 9/fev/10. Ideia e arte de Corrado Mastantuono.
Morcego Vermelho. Montagem com desenhos atribuídos pelo Inducks a Carlos Edgard Herrero, publicados em Edição Extra #53 (mai/73) e #72 (ago/76).
Mickey Mouse. Desenho de Floyd Gottfredson.
Capa de Kingdom Hearts #2. EUA, TokyoPop, 10/jan/06.
Galileo e l'albero della scienza. Ideia e arte de Paolo Mottura para capa de Topolino #2824, Itália, 12/jan/10.

10 comentários:

  1. Excelente matéria! Continuem assim, com este excelente blog!

    Abçs.

    Matheu$

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  2. Parabéns pela matéria. Maffia realizou o sonho de muitos fãs de quadrinhos. Agora, continuo defendendo a revista Tio Patinhas com lombada quadrada. Isso encareceria o gibi em quanto? Abraço a todos!!

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  3. Show de matéria. Junto-me ao Alan no pedido pela lombada quadrada.

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  4. Aliás, aproveito pra perguntar: quando e por que a revista do Tio Patinhas perdeu a lombada quadrada?

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  5. Parabéns pela entrevista..bem exclarecedora..agora é só esperar mais novidades disney nas bancas

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  6. Excelente essa entrevista! Cheia de coisas que eu queria saber! Que pena que Mestres Disney vendeu tão pouco, eu ainda sonhava com uma volta da coleção... Acho que foi a época em que ela foi lançada, parece que foi só depois da coleção "O Melhor da Disney" que os quadrinhos Disney deram uma boa retomada. Eu fui um que voltou a ler gibis Disney depois de 15 anos sem comprar nada graças ao OMD, e hoje já estou com mais de 500 revistas entre novas e compradas em sebos...
    Sobre a lombada quadrada em Tio Patinhas também defedendo sua volta. Não creio que encareceria mais que um real por revista, o que não é tão assustador...
    Respondendo ao andefelbr, teria que ver na coleção em que número deixou de ter lombada quadrada, mas foi lá pelo 400 e alguma coisa e o motivo é custo: sai mais barato na gráfica fazer uma revista com grampos do que colada, pois o papel é somente dobrado e grampeado, enquanto a lombada quadrada exige refile (corte) e toda a operação de colagem em máquina específica, além do custo da própria cola.

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  7. O último gibi do Tio Patinhas com lombada quadrada foi a edição #457.

    Ou, #458 foi o primeiro com lombada canoa (grampos).

    Já o comemorativo #500 de 164 páginas, saiu com lombada quadrada.

    Lembrando que as lombadas das edições #351 a 373 de Tio Patinhas, sairam com grampos.

    Rivaldo

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  8. Esclarecedora entrevista com o Paulo Maffia. Fiquei feliz em saber da admiração dele pelo Mestre Disney Brasileiro Ivan Saidenberg. Aliás, penso que a Abril deveria lançar alguns encadernados especiais dedicados não só a ele como também a outros artistas dos Estúdios Disney do Brasil. O Carl Barks é o Grande Mestre dos Patos, mas o Peninha brasileiro é o melhor pato de todos os tempos!

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  9. Chabacano, taí: não me canso de reler as histórias do Peninha, Pena Kid, Morcego Vermelho... ê personagem versátil.
    E.Rodrigues

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  10. Excelente matéria, meus parabéns; mas a palavra personagem é feminina: vem de "persona" que é pessoa em espanhol, italiano e latim, e palavras acabadas em "agem" são geralmente femininas; pode crer?

    Bem, por hora, é só isto; tudo bem?

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